Da Florida ao Estrelato
Entrevista com DJ Kane, DK Surfboards por Rui Ribeiro. (Also available in English.)
DJ, Nasceste na Florida, onde o surf é comum e onde é fácil comprar uma boa prancha de surf. Então o que leva um miúdo de 14 anos a começar a trabalhar com o foam, fazendo pranchas em vez de apenas apanhar umas ondas?
Bem, eu venho de uma família de classe média da região Centro/Norte da Florida, uma viagem de 1 hora até á praia 2 vezes por semana. Crescendo na Florida basicamente tu tens uma única prancha de surf que utilizas em quaisquer que sejam as condições que o mar te oferece. Naquele tempo havia um enorme ressurgimento de velhas pranchas de surf. A Channel Islands tinha acabado de lançar a sua Single Fin e as pessoas começavam a olhar para as Fish. Como eu não era suficientemente rico para ter uma dessas pranchas decidi faze-las eu próprio. Os meus pais sempre me deram muito apoio em tudo o que eu fazia relacionado com desporto, escola ou surf. Fui muito sortudo por ter uns pais tão porreiros que me deixaram utilizar o abrigo das traseiras e destrui-lo com resina e tintas além de encher a casa de pó de foam. Sempre que volto a casa é engraçado ver o meu antigo local de trabalho tão limpo!
Qual a primeira prancha que fizeste? Funcionava bem?
DK: A primeira prancha era basicamente uma cópia de uma bat tail shortboard com a qual eu surfava na altura. Saiu bem, parecia ser simétrica. Não sei se funcionava bem ou não porque vendi-a a um amigo antes de a acabar para poder fazer outra Eu chegava a casa depois das aulas do meu 9 ano e passava horas e mais horas a faze-las até estarem prontas. Depois convenci a minha mãe a emprestar-me dinheiro para comprar algumas ferramentas e fibra de vidro, entre outras coisas. No ano seguinte trabalhei como servente para a empresa de construção civil de uma amigo para pagar de volta á minha mãe.
Alguns anos mais tarde mudaste-te para a Califórnia. Não poderias ser um bom shaper na Florida ou querias mesmo ir para o local onde tudo acontece.
A Califórnia é o epicentro da indústria do surf, para o mundo inteiro. Eu decidi mudar-me para lá uns meses antes de acabar o liceu. Claro que poderia ter ficado na Florida e feito pranchas e os meus Pais teriam adorado isso mas surgiu uma oportunidade para ir e um local onde ficar e como já tinha estado lá algumas vezes e tinha visitado a Moonlight e visto como aqueles tipos trabalhavam, atirei-me de cabeça. Enchi a minha carrinha com todas as minhas coisas e conduzi através do país uma semana após concluir o liceu.
Tinha chegado a hora de começares a trabalhar. Por onde começaste?
Eu mudei-me para lá e não tive trabalho durante um mês. Basicamente surfei e andei de um lado para o outro com o meu colega de quarto aprendendo tudo sobre os diferentes spots e espreitando todas as fábricas. O meu primeiro emprego foi na Global Glassing onde fazia controle de qualidade e acabava algumas pranchas. Pouco depois eu estava também a trabalhar na Moonlight Glassing. Ia á Moonlight durante a manhã e á Global depois. Foi muito bom poder trabalhar em alguns dos maiores nomes ligados ás pranchas. Tudo era novo e excitante. A indústria estava ao rubro naquela altura, a Global fazia 100/125 pranchas por semana. Por isso eu estava sempre muito ocupado. A Moonlight nunca trabalhou pelos números, mais para fazer pranchas realmente únicas.
E então apareceu o Pavel e convidou-te para trabalhares com ele. Conta-nos mais sobre isso. È o sonho da maioria dos jovens shapers.
Basicamente eu apenas subi a colina aqui em Encinitas com o meu colega Jim da Lokbox Fins. Ele apresentou-me ao Rich e fez-me tirar uma das minhas Fish da carrinha e mostra-lhe. O Rich olhou para ela durante alguns minutos, teceu alguns elogios e convidou-me para ficar por ali com ele que me levaria a casa mais tarde. Eu fiquei e absorvi o máximo que consegui naquele dia. Ele disse para ligar-lhe depois para nos juntarmos e fazermos algumas pranchas. Algumas semanas mais tardes isso concretizou-se e fizemos 3 Fish juntos na sua antiga sala de shape em Channin. Foi a primeira vez que usei uma plaina da Skill! Logo depois ele deixava aquela fábrica e mudou-se para Neptune. Era uma máquina KKL numa sala, eu na seguinte e o Rich na última. Trabalhar com o Rich diariamente elevou o meu nível como shaper a um nível onde nunca chegaria em 15 anos a shapear na garagem da minha mãe! O número de pranchas que passava pelas minhas mãos, as exigências de qualidade para cada prancha e os mais variados designs realmente elevaram muito os meus dotes de shaper. Eu não vejo muito o Rich actualmente mas dou-lhe todo o crédito por ter moldado a minha carreira de shaper.
Mas em vez de ficares sob a protecção do Pavel decidiste seguir o teu caminho e criaste a DK Surfboards?
Após quase um ano o Rich viajava muito e eu continuava a fazer algumas pranchas para ele e a trabalhar na Moonlight, mas eu precisava de pagar as contas. Eu já fazia algumas pranchas sob a minha própria marca e estava a receber cada vez mais interessados, por isso o passo lógico seguinte era focar-me na minha própria marca. Mudei-me para uma antiga sala de shape na Moonlight. Estava a ser usada com sala de lixa de água mas já havia sido utilizada por alguns nome grandes do shape.
Começaste com pranchas inspiradas nas Pavel, como a Double Wing Quad ou a Twin Keel, mas passado pouco tempo começámos a ver novos designs, mais virados para a performance. Essa vertente, está relacionada com a tua juventude ou é a forma como vês as pranchas de surf?
Eu sei, realmente era inspiradas nas Pavel. Tal como disse antes, estes eram os designs que eu já fazia aos 14 anos. Agora eu sei como realmente os shapear. Sei onde devo tirar foam e como fazer determinados rails e inserir pequenas subtilezas no bottom. Desde a primeira vez que peguei num blank eu queria fazer as melhores pranchas de performance possíveis, fossem Fish ou uma 6’6 roundpin tail. Eu queria tirar de cada design o máximo de performance possível. Eu tenho tendência em manter-me afastado de pranchas do estilo cruiser. Eu penso que se uma prancha não faz varias pessoas dizer UAU! e quererem surfar apenas com ela, então essa prancha não foi bem feita ou pelo menos haverá nela algo que precisa ser alterado ou adicionado. Nenhuma prancha funciona para todos os surfistas, nós somos todos diferentes. Mas há várias notas que eu retiro do feedback que recebo dos meus clientes sobre o que funciona bem ou mal. Às vezes o melhor feedback é o negativo. Como quando eu fiz a segunda prancha de um mesmo design para um surfista experiente e ele disse-me que não era, nem de perto, tão boa como a primeira. Bem, isso dá-me a oportunidade de comparar ambas as pranchas e tentar perceber o que falta na segunda prancha.
A Swordfish foi a prancha que te catapultou para o “estrelato”. O que esperavas desse design?
Eu não sei acerca do “estrelato” mas sim, a Swordfish é, sem dúvida, o meu modelo mais popular. Basicamente, um amigo meu e surfista profissional, Kasey Curtis, veio ter comigo e pediu-me para fazer-lhe uma prancha semelhante ás Speed Dialer que ele tinha do Rich (Pavel). Eu convenci-o de que eu poderia sempre fazer uma dessas da próxima vez (eu estava a fazer muitas dessas na altura) mas que tinha uma ideia para uma Fish com melhor performance. Eu andava a surfar com uma prancha que o pró- surfer Australiano Daniel Thompson tinha feito para mim quando estávamos os dois a shapear para o Rich e começava a acreditar nos benefícios de um tail sem wings. Então eu queria incorporar algumas coisas dessa prancha com algumas das preferências do Kasey em relação ás Speeddialers. Para resumir uma longa história, acho que tanto eu como o Kasey ficámos muito surpreendidos com o facto dela funcionar tão bem. Ele já tem 3 delas e continua a surfar com a primeira graças á laminação á prova de bala do The Mohikan. Desde a primeira prancha eu coloquei esse design debaixo dos pés de muitos bons surfistas, quer fossem habituais surfistas de Fish ou surfistas de shortboards que odiavam Fish, e o resultado foi geralmente o mesmo. Recebo excelentes resultados de surfistas que trocam de outras performance Fish para a Swordfish. Ela faz um verdadeiro Snap no lip, mais como uma shortboard do que como as Fish
Depois vimos essas incríveis Twin Fins, mais uma vez pranchas de performance. Se andas apenas á procura da melhor performance não era amais fácil fazer shortboards?
Sim, provavelmente. Mas uma shortboard tem limitações tal como qualquer outro design. A thruster comum é feita para um surf top to bottom. Ele quer surfar no pocket e partir do bottom… para mais um snap no lip. O único real beneficio de uma thruster em relação a outras configurações de fins é a facilidade em travar para conseguires entubar. As quads, mais que a Twins têm tendência para ultrapassar os tubos. Eles querem ir mais á frente na parede e fazer um grande cutback ou algo parecido. Eu penso que temos de nos afastar e ver as coisas da perspectiva de que pranchas diferentes são feitas paras coisas diferentes. Algumas são melhores numas áreas e falham em outras e vice-versa. Voltando ás Twins, eu gosto muito da forma como elas voltam do lip. Como não há um trailer fin para as atrasar ela vira rapidamente sobre os fins. Podes facilmente sentir a diferença. Tipos como o Akila Aipa e o Rasta conseguiram colocar essa configuração de fins numa prancha com um outline e foil de shortboard e faz-la funcionar bem.
Será que alguma vez iremos ver uma Hull ou Stubby como a marca DK?
Provavelmente não! Ah ah! Eu gosto de fazer verdadeiras single fins, estilo old school V bottom pintails ou até mesmo single fins com 6 canais. Mas essa coisa das Hull redondas com belly não é para mim! È um estilo de surf que eu não estou a tentar fazer. Muito trimming e tentar manter o rail na água para fazer um cutback suicida quando finalmente chegas á parede. Eu não quero tirar nada a quem as faz ou surfa com elas, apenas não é o meu estilo de surf. Eu quero fazer com que as minhas pranchas façam tudo o que eu quero delas na parte da onda que eu desejo. Ter controlo total sobre a prancha e sobre onde quero ir na onda. Apesar disso no outro dia vi o Manny da Mandala Surfboards numa das suas Hull e parecia surfar muito bem.
Pensas que levaste os teus designs ao limite ou ainda á margem para os melhorares?
Claro que não! Se algum dia se der o caso de os meus designs estagnarem ou não os conseguir melhorar ou criar novos, então eu mudo-me para a Balsa e começo a fazer pranchas ou barcos de madeira. Eu ainda aprendo com cada prancha, seja uma nova forma de usar uma ferramenta ou alguma nova característica do design que estou a introduzir. Há sempre alterações a serem feitas. Está sempre a evoluir.
Estiveste em Portugal duas vezes. Gostaste? E das ondas?
Portugal é muito louco. A família do lado da minha mãe é portuguesa e do lado do mau pai Irlandesa. Eu acabei de visitar o meu avô que é um Coronel reformando do exército Americano que vive no Idaho. È obvio que foi dele que herdei o meu talento. Ele é um de 9 irmãos. A sua mãe era do Porto e o seu pai de Lisboa. Todos os seus irmãos eram metalúrgicos ou electricistas. Ele é um carpinteiro fenomenal e a sua irmã que faleceu recentemente cantou Fado durante anos. A cultura Portuguesa em geral é muito cool. Eu adoro o café e a comida. Entre a fantástica linha de costa que têm, com reefs afiados e points de direita, além da beleza das pessoas, vocês são afortunados! No geral eu diria que é um dos meus lugares preferidos entre os que já visitei e como cresci com uma mãe que é agente de viagens tive a sorte de viajar muito enquanto jovem. A linha costeira é muito bonita e há muito mais em Portugal que eu não visitei. Tenho a certeza que é um local que visitarei muitas vezes, quer tenha pranchas para shapear ou não.
Durante o Euro Fish Fry tiveste a oportunidade de ver muitas pranchas. Estamos muito longe do que vocês fazem na Califórnia?
De modo algum. Eu vi resinas pigmentadas, fins de madeira, Fish, Quads, Bonzers e shortboards de qualidade. Vocês estão lá! Eu fiquei impressionado ao entrar na Board Culture pela primeira vez e ver aquela fábrica de primeira com laminações de qualidade, máquina de shape e tudo o resto! A maior parte das vezes preocupaste se vais shapear numa barraca qualquer sem luzes mas na generalidade as pranchas Portuguesas parecem ser tão boas como as pranchas que vejo em qualquer outro local. A cultura de surf no seu todo ainda está a crescer e com ela irá crescer o mercado de pranchas. Eu imagino que quando eu for um homem velho os vossos lineups terão tanto crowd como os nossos.
Sendo tão novo, penso que não te preocupas muito como o futuro, mas onde te vês daqui a 30 anos? Pensas que ainda estarás a shapear?
Podes apostar nisso! Eu posso morrer antes disso mas tenho esperança que ainda estarei vivo e assim sendo quero pensar que estarei a fazer pranchas de surf até que as minhas mãos tenham tanta artrite que eu já não possa agarrar nas ferramentas. Fazer pranchas de surf e viver do surf é o que escolhi fazer da minha vida. Eu tomei algumas decisões importantes há alguns anos e decidi correr atrás da minha carreira em vez de continuar na escola e até agora tem corrido muito bem! Para responder directamente á tua pergunta, dentro de 30 anos espero ter um a família que eu possa sustentar e viver confortavelmente, surfar todos os dias e sentir a mesma satisfação que sinto hoje ao fazer pranchas por encomenda.